Celebrando o Dia Mundial da Poesia
Hoje celebra-se por todo o mundo o dia Mundial da Poesia aqui ficam alguns contributos para um desafio lançado que se celebre o poema e o poeta para que estes saibam que transformar palavras em flores e letras em pétalas tem significado para quem os lê.
Contributos
Matei a lua e o luar difuso.
Quero os versos de ferro e de cimento.
E, em vez de rimas, uso
As consonâncias que há no sofrimento.
Universal e aberto, o meu instinto acode
A todo o coração que se debate aflito.
E luta como sabe e como pode:
Dá beleza e sentido a cada grito.
Mas como as inscrições nas penedias
Têm maior duração,
Gasto as horas e os dias
A endurecer a forma da emoção
enviado por Túlipa propriétária
(...)
nunca como agora senti esta calma
nunca como agora senti este conforto
nunca como agora senti esta Paz
nunca como agora senti este aconchego
percebo hoje
que passei pelo tempo da mudança...
quando começou não sei
quando acabará espero que nunca
pois basta-me sentir as tuas mãos
pois basta-me olhar nos teus olhos
pois basta-me sentir o teu abraço
pois basta-me pensar em ti...
em ti...
absolutamente calmo
tremendamente respeitador
transcendentemente carinhoso
imensamente amigo...
em ti...
responsável no que fazes
digno no que dizes e sentes
correcto nos comportamentos
altruísta nos projectos.
Em ti...
Só em ti...
(...)"
Sofia Mendes
enviado por Isabel
'pele
quem foi que à tua pele conferiu esse papel
de mais que tua pele ser pele da minha pele.'
david mourão-ferreira
enviado por margarete
Fico admirado quando alguém, por acaso e quase sempre
E sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor.
Eu sei exactamente o que é o amor. O amor é saber
Que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer.
O amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte
De nós que não é nossa. O amor é sermos fracos.
O amor é ter medo e querer morrer.
José Luís Peixoto in A Criança em Ruínas colocado por ClanDestino
A Tasca
Poema XXIX
Tu és a esperança, a madrugada.
Nasceste nas tardes de Setembro,
quando a luz é perfeita e mais doirada,
e há uma fonte crescendo no silêncio
da boca mais sombria e mais fechada.
Para ti criei palavras sem sentido,
inventei brumas, lagos densos,
e deixei no ar braços suspensos
ao encontro da luz que anda contigo.
Tu és a esperança onde deponho,
meus versos que não podem ser mais nada.
Esperança minha onde meus olhos bebem,
fundo, como quem bebe a madrugada.
Eugénio de Andrade
Esta valente litrada foi servida por jamiroo
A Natureza do Mal
O meu poeta favorito pelo Dia da Poesia
Primeiro comi a vela do quatro depois a do oito
depois lembrei-me de quando neste dia as minhas prendas
eram um par de peúgas e umas cuecas pirosas
compradas aos ciganos com o dinheiro tirado ao pão
agora já sei a poesia é isto uma memória de trapos
e um amargo de vela na boca
Carlos Alberto Machado, A Realidade Inclinada, ed. Averno, 2003
posted by Sofia @ 9:15 AM
A Paragem de Autocarro
Carta
Não falei contigo
com medo que os montes e vales que me achas
caíssem a teus pés...
Acredito e entendo
que a estabilidade lógica
de quem não quer explodir
faça bem ao escudo que és...
Saudade é o ar
que vou sugando e aceitando
como fruto de Verão
nos jardins do teu beijo...
Mas sinto que sabes que sentes também
que num dia maior serás trapézio sem rede
a pairar sobre o mundo
e tudo o que vejo...
É que hoje acordei e lembrei-me
que sou mago feiticeiro
Que a minha bola de cristal é feita de papel
Nela te pinto nua
numa chama minha e tua.
Desconfio que ainda não reparaste
que o teu destino foi inventado
por gira-discos estragados
aos quais te vais moldando...
E todo o teu planeamento estratégico
de sincronização do coração
são leis como paredes e tetos
cujos vidros vais pisando...
Anseio o dia em que acordares
por cima de todos os teus números
raízes quadradas de somas subtraídas
sempre com a mesma solução...
Podias deixar de fazer da vida
um ciclo vicioso
harmonioso do teu gesto mimado
e à palma da tua mão...
É que hoje acordei e lembrei-me
que sou mago feiticeiro
e a minha bola de cristal é feita de papel
Nela te pinto nua
Numa chama minha e tua.
Desculpa se te fiz fogo e noite
sem pedir autorização por escrito
ao sindicato dos Deuses...
mas não fui eu que te escolhi.
Desculpa se te usei
como refúgio dos meus sentidos
pedaço de silêncios perdidos
que voltei a encontrar em ti...
Ainda magoas alguém
O tiro passou-me ao lado
Ainda magoas alguém
Se não te deste a ninguém
magoaste alguém
A mim... passou-me ao lado.
Toranja, "Esquissos"
Sofrega
E por vezes
"E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
Ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos"
David Mourão Ferreira
# posted by cc : 22.3.04
Doido e Vanus
Quase
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Mário de Sá-Carneiro.
little black spot
Aqui despi meu vestido de exílio
E sacudi de meus passos a poeira do desencontro
Acaia | Sophia de Mello Bryner Andresen
O Céu sobre Berlim
Carpe Diem
Confias no incerto amanhã? Entregas
às sombras do acaso a resposta inadiável?
Aceitas que a diurna inquietação da alma
substitua o riso claro de um corpo
que te exige o prazer? Fogem-te, por entre os dedos,
os instantes; e nos lábios dessa que amaste
morre um fim de frase, deixando a dúvida
definitiva. Um nome inútil persegue a tua memória,
para que o roubes ao sono dos sentidos. Porém,
nenhum rosto lhe dá a forma que desejarias;
e abraças a própria figura do vazio. Então,
por que esperas para sair ao encontro da vida,
do sopro quente da primavera, das margens
visíveis do humano? "Não", dizes, "nada me obrigará
à renúncia de mim próprio --- nem esse olhar
que me oferece o leito profundo da sua imagem!"
Louco, ignoras que o destino, por vezes,
se confunde com a brevidade do verso.
Nuno Júdice