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Ontem prendeu-se uma angustia no peito, por momentos fiquei mal disposto ao ponto de quase vomitar, veio á memória os sentimentos reprimidos por não estar no sítio certo a hora certa, as lágrimas que não saíram quando li a morte de Dora, o espanto calado quando na estação de Entrecampos ouvi uma mulher a cantar e a agradecer a Deus uma chuva torrencial que caia, o medo de queda de alguém que estava perto demais do comboio que passava.
Lisboa suburbana esta a transformar-me pensei inicialmente que fosse um outro universo para o qual eu só espreitaria ocasionalmente, ou faria tangentes quando a isso fosse obrigado, agora apercebo-me que não é nada disso, o meu medo é outro é de me tornar na senhora que ao meu lado usa as revistas cor-de-rosa como a gradação moral da sua vida, no senhor que se aniquila em sono profundo para esquecer que regressar a casa é só um passo para voltar amanhã.
Eu que amava Lisboa por tudo o que é romanceado, sinto-me traído pelo contraste do seu brilho que não escapa a primeira observação matinal de uma estação de comboios.